Pessoas com Deficiência Física – Acessibilidade nas Bibliotecas

Descrição da imagem: Charge digital.  Retângulo na horizontal com as bordas na cor preta e fundo branco. Acima do retângulo, no lado esquerdo está a hashtagacessibilidadeemcharges e no lado direito a frase “Descrição da imagem no texto alternativo”. Dentro do retângulo, no lado direito estão Estela e o Servidor. Ele está atrás de uma mesa, tem cabelos pretos e usa camiseta branca. Estela está em pé em frente à mesa. Ela tem cabelos azuis presos em um rabo de cavalo, usa camiseta, calça e tênis brancos e um par de muletas azuis. Acima da cabeça do servidor há um balão de fala com os dizeres “Hoje eu vou auxiliar a professora Estela na Capacitação de Normalização de Trabalhos Acadêmicos. Quando você me der o sinal eu passo o slide, ok?!”. E acima de Estela está o balão com sua resposta “Eu agradeço pelo auxílio. Aproveito para avisar aos estudantes presentes que meu ritmo de fala é diferente. Sintam-se à vontade para fazer perguntas. Vamos começar?!”. No lado esquerdo do retângulo, de frente para Estela e o Servidor, estão, respectivamente,  Lourenço, Cláudia e Carol, enfileirados em mesas adequadas às suas características físicas. Sobre cada mesa há um notebook.


Quem são as pessoas com deficiência física? Para responder esta pergunta  cada indivíduo recorrerá aos seus referenciais de acordo com seu contexto. A referência mais comum é a de uma pessoa cadeirante ou de alguém que usa algum recurso de apoio e/ou locomoção, como andadores, muletas, órteses, entre outros. Tal alusão está correta, porém, não abrange a totalidade desse grupo. Há uma diversidade de corpos que compõem essa categoria e pensar a pessoa com deficiência física de forma generalizante pode acarretar numa visão distorcida e estereotipada.

De acordo com o decreto n. 5.296/2004 (BRASIL, 2004) deficiência física é “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia […] ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo […]”. As especificações exclusivamente relacionadas ao corpo colocadas na definição podem contribuir de forma problemática para as pessoas com as características mencionadas nesta legislação. Se por um lado, a definição estritamente biomédica contida no decreto legitima a garantia de direitos para as pessoas com deficiência física, por outro, corrobora com o estigma de incapacidade direcionado a esses corpos tão diversos. Pois não relaciona as barreiras presentes no contexto físico e social, cujo papel é determinante para impedir a participação desses corpos.

A ideia de incapacidade remetida ao corpo com características que fogem da norma culturalmente estabelecida, aliada à busca pela produtividade e ao fortalecimento do  individualismo, presentes na contemporaneidade, acarretam na perpetuação das barreiras vivenciadas pelas pessoas com deficiência física, uma vez que não são possibilitadas formas de participação social. Para Mello (2021) “Esse padrão molda a corponormatividade de nossa estrutura social pouco afeita à diversidade corporal, frequentemente associando a capacidade de uma pessoa com deficiência à funcionalidade de estruturas corporais de modo a avaliar moralmente o que as pessoas com deficiência são capazes de ser e fazer.”

Essa concepção discriminatória e excludente pode ser alterada ao considerar que é possível que as pessoas com deficiência física tenham autonomia mesmo com especificidades corporais que restringem algumas funções. Por exemplo, pessoas com paralisia cerebral [Nota1] apresentam limitações de algumas funções do corpo que podem ser executadas com êxito por meio de Tecnologias Assistivas (TAs). Ou seja, para essas pessoas a variação da forma com que se possibilita autonomia ocorre conforme as características motoras e posturais. Diversos tipos de TAs contribuem para essa garantia, como o uso de computadores, teclados colméia, mouses adaptados, cadeiras de rodas, muletas, etc. É importante que a implementação do uso das TAs esteja pautado na “avaliação das demandas do indivíduo alvo frente à tarefa que irá desempenhar naquele determinado ambiente, para uma prescrição mais efetiva do melhor tipo de recurso” (FUHRER et al., 2004; EDYBURN, 2002 apud LOURENÇO e MENDES, 2015). Do mesmo modo, deve-se prever também a ergonomia inclusiva para promover condições de acesso, desempenho das atividades e participação coletiva das pessoas com nanismo (PARISI et al., 2021).

Dentro das bibliotecas também é possível desenvolver ações que promovam a garantia de acesso aos espaços e à informação às pessoas com deficiência física. Embora vivenciem barreiras diversas em seu cotidiano, elas têm participação ativa nos espaços culturais, escolares e acadêmicos. E, por isso, práticas acessíveis são fundamentais para a eliminação de barreiras físicas, informacionais, comunicacionais e atitudinais, segue algumas:

  • Garantir que os espaços físicos sejam acessíveis para participação efetiva das pessoas com deficiência física, incluindo rampas, balcões de atendimentos com altura adequada, banheiros e bebedouros adaptados, adequação das portas de acesso às salas e vaga de estacionamento adequada (NBR9050);
  • Dispor de mobiliários adequados para estudo individual e coletivo contemplando a diversidade dos corpos, conforme previsto nas diretrizes técnicas como a NBR 9050;
  • Disponibilizar Tecnologias Assistivas (teclado colméia, mouse adaptado, computadores com comandos de voz, etc) como meio de acesso à informação;
  • Prever que os espaços e meios escolhidos para organização de eventos, capacitações e atendimento sejam acessíveis;
  • Respeitar o ritmo de fala de pessoas com paralisia cerebral, utilizando recursos como a escrita ou digitação, caso seja necessário;
  • Buscar conversar no nível da altura dos olhos da pessoa cadeirante, com nanismo ou paralisia cerebral;
  • Prever a participação das pessoas com deficiência física nas atividades realizadas pela biblioteca no seu cotidiano.

Uma das principais maneiras para eliminar as posturas e práticas capacitistas é  desmistificando a percepção de incapacidade que historicamente se incutiu na sociedade sobre as pessoas com deficiência física. E essa mudança no modo de pensar e agir é possível por meio da convivência, a qual possibilita corpos diversos desempenharem ações semelhantes de modo diferente. Nesse sentido, conviver com pessoas com paralisia cerebral, nanismo, cadeirantes permite a ampliação sobre as formas de pensar a realização de  determinadas atividades, de se colocar diante de contextos respeitando a pluralidade dos corpos.

Atualmente, há várias pessoas e organizações que produzem conteúdos sobre o estilo de vida e o capacitismo vivenciados pelas pessoas com deficiência física na rede social Instagram. Dentre essas, destaca-se Mariana Torquato (@marinatorquato), Victor di Marco (@victordimarco), Ivan Baron (@ivanbaronn), Catarina (@especierarasobrerodas) e a Associação Nacional de Pessoas com Nanismo (@nanismobr). Transformar as práticas do cotidiano que permeiam os espaços culturais, educacionais, profissionais e sociais consiste numa postura em prol da promoção de acessibilidade à pessoa com deficiência.

[Nota 1] Ressalta-se que pessoas com paralisia cerebral têm restrições motoras que, na grande maioria das vezes, não interferem nas questões cognitivas. Porém, pelo fato de o corpo não corresponder às ações intelectuais desempenhadas por essas pessoas, elas sofrem com o capacitismo daqueles que as veem como incapazes com base no estranhamento ao corpo.

Referências:

 BRASIL. Presidência da Republica. Casa Civil. Decreto 5.294 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento… Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm Acesso em: 12 set. 2021.

LOURENÇO, Gerusa Ferreira; MENDES, Enicéia Gonçalves. Adaptação transcultural de um instrumento para avaliar a acessibilidade de alunos com paralisia cerebral ao computador. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 23, n. 1, p. 85-100, 2015. DOI 10.4322/0104-4931.ctoAO498. Disponível em:http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/934/587Acesso em: 14 maio 2021.

MELLO, Anahi. G. Corpos (in)capazes. Jacobin Brasil, [S.l.], v. 2, 2020 Disponível em: https://jacobin.com.br/2021/02/corpos-incapazes/ Acesso em: 04 mai. 2021.

PARISI, Baby de Fatima Barbosa et al. Acessibilidade e inclusão social da pessoa com nanismo. Revista Brasileira de assuntos regionais e urbanos, Goiás, v.7, p.01-19, 2021. Disponível em: http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/baru/article/view/8595 Acesso em: 14 maio 2021.

Material Complementar:

AMIRALIAN, M. L. T. et al. Conceituando deficiência. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 1, p. 97-103, fev. 2000. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/rsp/2000.v34n1/97-103/pt/. Acesso em: 12 set. 2021.

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Maio, 2021