As diferentes perspectivas sobre a deficiência: a escolha do modelo social da deficiência pela CABU
#paratodosverem: Charge digital. Retângulo de margem preta e fundo branco. Os desenhos estão nas cores preto, branco, amarelo e azul. Na parte superior esquerda está a diretora sentada atrás da mesa, acima da cabeça da personagem o balão de fala “Depois de um longo trabalho e do envolvimento de toda equipe conseguimos adequar nossa biblioteca ao modelo social da deficiência”. Na parte superior esquerda do desenho existe um balcão de atendimento, com espaço para atendimento de PCD, e atrás do balcão o servidor com balão de fala “Olá, como posso ajudá-lo?”. Na parte inferior esquerda desenho das estantes de livros baixas e próximas a elas pessoa com cadeira de rodas e roupa azul com balão de fala “Olá, me chamo Cláudia”. Na parte inferior do desenho existe piso tátil ligando a personagem da direita a personagem da esquerda. Na parte direita inferior desenho de pessoa com deficiência visual segurando uma bengala. Ela usa uma roupa amarela com balão de fala “Olá, me chamo Laís”.
A Comissão Por uma BU Acessível (CABU) da Biblioteca Universitária da UFSC (BU/UFSC) lançou a série Acessibilidade em Charges, que busca trazer conceitos envolvendo acessibilidade e pessoas com deficiência em um novo formato, visando a reflexão e sensibilização de uma forma criativa. As charges são primeiramente publicadas na Seção Por uma BU Acessível do boletim interno Quais são as Novas? e algumas delas terão textos informativos complementares aqui no Fala Biblioteca. O objetivo deste primeiro texto é trazer um breve histórico de como as pessoas com deficiência foram vistas ao longo do tempo e refletir sobre formas de pensar a relação entre os corpos, apresentando o Modelo Social da Deficiência (MSD).
A humanidade, ao longo de sua história, construiu padrões sociais, estéticos e arquitetônicos que foram baseados em corpos e relações idealizadas, os quais têm se modificado continuamente. Nesse percurso, existem corpos que nunca foram incluídos, os quais são colocados à margem pelo ambiente de escalas e proporções padronizadas e pelas relações sociais que foram estabelecidas a partir do preconceito pelo diferente, ora por desconhecimento, ora por valores morais ou culturais.
Historicamente, aprendemos que as pessoas com alguma condição de deficiência são vistas como diferentes, de um modo negativo. Os motivos para atribuição de conotação negativa foram construídos a partir de diferentes perspectivas, que em parte permanecem até hoje. A primeira perspectiva parte de um viés mitológico, que pode ser analisado a partir dos mitos como o de Hefesto e Procusto, onde a deficiência é um castigo divino ou valor métrico para a não aceitação. Outra perspectiva a ser apontada é a caritativa, advinda de um período em que a religião exercia papel de abrigo e atenção às pessoas com deficiência, porém as colocava como inferiores e incapazes que necessitavam de caridade para viver.
Diferente das perspectivas apresentadas até aqui, o Modelo Biomédico trouxe uma grande mudança na forma de tratar as pessoas com deficiência. Nesse modelo foram possibilitados à pessoa com deficiência meios reabilitatórios que contribuíram na sua participação social e na sua autonomia enquanto sujeito. Contudo, manteve-se a perspectiva de subalternização das pessoas com deficiência aos contextos já estruturados e padronizados, uma vez que elabora formas e tratamentos para que esses corpos possam performar na sociedade se aproximando de padrões estabelecidos (FRANÇA, 2013). Apesar dessa visão apresentar a pessoa com deficiência como uma cidadã, ela coloca toda a carga de responsabilidade pela sua inserção social no indivíduo, retirando a parcela de responsabilidade da sociedade em realizar modificações nas suas práticas, atitudes e valores para inclusão. Victor di Marco (perfil do instagram @victordimarco), ator com deficiência que tem realizado produções para abordar os temas que envolvem às pessoas com deficiência, apresenta que o corpo é uma invenção, e faz a seguinte pergunta: “com base em qual corpo nossa sociedade se molda?”.
Em contraposição a essas estruturas capacitistas, o Modelo Social da Deficiência (MSD) parte do pressuposto que mesmo os corpos com diferenciações físicas, intelectuais ou sensoriais devem ter o direito à participação social sem barreiras e com a garantia de um ambiente acessível. No artigo Deficiência, direitos humanos e justiça, os autores, ao apresentarem a perspectiva do MSD, expõem que a “deficiência é uma experiência cultural e não apenas o resultado de um diagnóstico biomédico de anomalias” (DINIZ et al., 2009). Sendo uma experiência cultural, ela engloba aspectos sociais, costumes, a forma de estar e ser no mundo.
Este modelo teve sua origem, na Inglaterra, com um grupo de pessoas com deficiência física (UPIAS) que defendiam que sua condição não seria impedimento para a realização do trabalho se o ambiente estivesse de acordo com suas necessidades. A partir das discussões trazidas pelo MSD, aconteceram avanços de ordem prática que repercutiram em mudanças jurídicas e implementações de políticas públicas voltadas à inclusão das pessoas com deficiência em diversos países. A destacar a Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 2006 e incorporada no ordenamento jurídico dos países-membros.
Contudo, o MSD ainda não foi incorporado na sociedade enquanto cultura. Muitas instituições públicas e privadas ainda não possuem a estrutura adequada para receber a diversidade de seu público potencial. A charge criada pela CABU apresenta um contexto onde um espaço público foi pensado dentro de uma perspectiva que prioriza o direito da pessoa com deficiência ao acesso. Isso pode acontecer por meio da eliminação das barreiras e uso de facilitadores, como já abordado em outra publicação da CABU, pela adoção do desenho universal na concepção de projetos arquitetônicos e, principalmente, pela prática de pensar espaços, serviços e produtos acessíveis na sua origem, evitando a necessidade de futuras adaptações.
Referências
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FRANÇA, Tiago Henrique. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social. Lutas Sociais, São Paulo, v. 17 n.31, p.59-73, jul./dez., 2013. Disponível em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf Acesso em: 21 set. 2020.
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STROPARO, Eliane Maria. Políticas inclusivas e acessibilidade em bibliotecas universitárias: uma análise do sistema de bibliotecas (SIBI) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Dissertação (Mestrado em Educação) – Curso de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/35810 Acesso em: 21 set. 2020.
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Por Comissão Por uma BU Acessível (CABU)
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Setembro, 2020