A luta das pessoas com deficiência: impactos acadêmicos e desdobramentos políticos
Descrição da imagem #paratodosverem: Charge digital. Retângulo na horizontal com as bordas na cor preta e fundo branco. Acima do retângulo, no lado esquerdo está a hashtagacessibilidadeemcharges e no lado direito a frase “Descrição da imagem no texto alternativo”. A esquerda da imagem está Carla e à sua frente, à direita da imagem, está o balcão de empréstimos, que possui uma parte rebaixada para o atendimento de Pessoas com Deficiência. Em cima do balcão há um notebook e atrás dele está o servidor da biblioteca. Acima dos personagens há balões de diálogo, onde Carla diz “Olá, a professora da disciplina Estudos sobre Deficiência pediu para estudarmos sobre Capacitismo e Modelo Social da Deficiência. Nem sei porque tenho que aprender sobre isso, não conheço ninguém com deficiência…”, o servidor responde “Existe uma extensa produção acadêmica sobre esses temas aqui na biblioteca, pesquisei aqui e descobri que entre os autores, existem vários que são Pessoas com Deficiência. Inclusive, no dia 03 de dezembro foi celebrado o Dia Internacional da Luta das Pessoas com Deficiência.”
A LUTA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: IMPACTOS ACADÊMICOS E DESDOBRAMENTOS POLÍTICOS
No dia 03 de dezembro é comemorado o dia internacional da Luta das Pessoas com Deficiência. Esta data foi instituída em 1992 na Assembleia Geral das Nações Unidas com o objetivo de promover os direitos e bem estar das pessoas com deficiência em todos os âmbitos da sociedade e conscientizar sobre sua participação em todos os aspectos da vida política, social, econômica e cultural (ONU, 2020).
Neste ano (2020) a comemoração dessa data mobilizou as redes sociais, por meio de postagens de pessoas com deficiência, de profissionais que atuam em prol da acessibilidade e de ativistas com e sem deficiência que se identificam com a luta. As postagens continham depoimentos, informações sobre as conquistas dos movimentos sociais das pessoas com deficiência e críticas às políticas segregadoras e ações capacitistas. O tema principal recorrente nas publicações foi o capacitismo, descrito enquanto instrumento social de opressão e exclusão utilizado para invisibilizar as pessoas com deficiência nos diversos contextos sociais.
A busca pela garantia de direitos e maior visibilidade das pessoas com deficiência faz parte de uma luta política que se construiu com os movimentos sociais de pessoas com deficiência e se fortaleceu com a produção acadêmica. Uma conquista sui generis no meio científico, foi a inauguração do campo Estudos sobre Deficiência (Disability Studies), que ocorreu em 1975 no Reino Unido, com o curso de graduação “A pessoa Deficiente na Comunidade”, ofertado pela Universidade Aberta (Open University). Na sequência, a Universidade de Kent, também no Reino Unido, ofertou o primeiro curso de pós-graduação, no qual foi formalizada a expressão “Estudos sobre Deficiência” para referenciar às pesquisas sociológicas e políticas sobre deficiência (DINIZ, 2012).
Entre os professores do curso ofertado pela Universidade Aberta estava Vic Finkelstein, fundador da UPIAS (Liga dos Lesados Físicos contra a Segregação), uma das mais importantes organizações políticas criada e constituída por pessoas com deficiência. Como teóricos pioneiros do campo Estudos sobre Deficiência, além de Finkelstein, destacaram-se Michael Oliver, Paul Hunt, Paul Abberley, Len Barton e Colin Barnes. O grupo tinha como propósito estruturar esse campo de estudos e, com esse intuito, em 1990 Oliver escreveu o livro Políticas para Deficiência, o livro foi traduzido para vários idiomas, considerado um marco para discutir o modelo social da deficiência¹ internacionalmente (DINIZ, 2012).
Com o campo de Estudos sobre Deficiência emergindo, em 1986, Oliver e Barton criam o primeiro periódico científico especializado no tema: Disability Handicap and Society. Desde então, o periódico é publicado trimestralmente, sendo que seu conselho editorial é constituído predominantemente por pessoas com deficiência. O objetivo dessa revista é estimular a produção teórica sobre deficiência, tendo como base as experiências das próprias pessoas que vivenciam essa condição, com o intuito de contrapor às concepções tradicionais que individualizam e patologizam as pessoas com deficiência. Atualmente a revista é intitulada Disability and Society, esta mudança se deu por uma questão política, pois de acordo com as comunidades inglesas com deficiência a expressão handicap teria conotação depreciativa (DINIZ, 2012).
Para debater questões voltadas à educação das pessoas com deficiência, no final da década de 90, nos Estados Unidos, tem-se, como desdobramento do campo Estudos sobre Deficiência, o campo de Estudos sobre Deficiência na Educação (EDE) ou Disability Studies in Education (DSE), constituído por pesquisadores conceituados na área da educação especial que tinham uma percepção crítica sobre o modelo biomédico incorporado à educação (NUERNBERG, 2015). Em 2014 o livro Ressignificando a deficiência: da abordagem às práticas inclusivas na escola, foi traduzido e publicado no Brasil. Segundo os autores Valle e Connor (2014) o objetivo do livro é contribuir com os profissionais da área da educação de forma a compreender que promover educação inclusiva é uma questão ética.
Embora o campo de Estudos sobre Deficiência tenha se consolidado internacionalmente, no Brasil, o estudo desse campo teórico se restringe a poucas áreas do conhecimento. Desse modo, são poucos cursos de graduação que abordam a temática deficiência, menos ainda sob o viés do modelo social. O desconhecimento do campo Estudos sobre Deficiência reflete em sua ausência nos currículos acadêmicos, o que contribui para a manutenção das concepções tradicionais sobre deficiência.
No domínio prático, onde se desenvolvem as ações para promoção de acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência, essa corrente teórica é ainda menos conhecida. Demonstrando que mesmo os projetos que tomam como base as legislações e normas voltadas à inclusão das pessoas com deficiência não necessariamente são implementados de forma a garantir participação plena das pessoas com deficiência. Pois podem ou não promover a eliminação das barreiras atitudinais impostas pelo paradigma cultural excludente, o que reflete na continuidade das práticas capacitistas.
Ao considerar a relevância do campo Estudos sobre Deficiência e sua pertinência para a efetivação das práticas inclusivas, faz-se urgente a divulgação desse campo nos diversos âmbitos, sobretudo no meio acadêmico. Nesse sentido, a contribuição das bibliotecas enquanto entidades promotoras de informação, é imprescindível, tanto no que diz respeito à competência de difundir e promover o acesso a esse campo do conhecimento, quanto ao alinhar suas práticas às premissas do modelo social da deficiência, cumprindo com seu papel social.
A intenção desse texto é dar destaque às conquistas advindas da mobilização política e da produção acadêmica em prol dos direitos das pessoas com deficiência. Ressalta-se a relevância dessa articulação tanto para o desenvolvimento de ambas, quanto para o fortalecimento da transformação social contra as práticas capacitistas. Essas são reflexões importantes que se incorporadas às práticas do dia a dia, não somente no dia internacional da Luta das Pessoas com Deficiência, podem contribuir para a construção de uma sociedade com a participação efetiva das pessoas com deficiência.
¹Para saber mais sobre o Modelo Social da Deficiência e as concepções tradicionais acesse o texto: As Diferentes Perspectivas Sobre A Deficiência: a escolha do Modelo Social Da Deficiência pela Cabu
Referências
DINIZ, D. O que é deficiência. São Paulo: Brasiliense. 2012. (Primeiros Passos).
NACIONES UNIDAS. Participación y el liderazgo de las personas con discapacidad: agenda de desarrollo 2030. [S.l.], [2020]. Disponível em: un.org/es/observances/day-of-persons-with-disabilities. Acesso em: 09 dez. 2020.
NUERNBERG, A. H. Os estudos sobre deficiência na educação. Educação & Sociedade, v. 36, n. 131, p. 555-558, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/es/v36n131/1678-4626-es-36-131-00555.pdf Acesso em: 09 dez 2020.
VALLE, J. W.; CONNOR, D. J. Ressignificando a deficiência: da abordagem social às práticas inclusivas na escola. Porto Alegre: AMGH, 2014.
Material Complementar
CRESPO, Ana Maria Morales. Da invisibilidade à construção da própria cidadania: os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. 2009. Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-28052010-134630/publico/ANA_MARIA_MORALES_CRESPO.pdf Acesso em: 09 dez 2020.